Sofia Moreira de Sousa: “É através da igualdade de género, do acesso ao emprego, da igualdade das condições laborais, que nós conseguimos combater a pobreza”
Conta com um percurso notório no mundo da diplomacia e dos assuntos europeus com papéis de destaque enquanto embaixadora da União Europeia (UE) em Cabo Verde, embaixadora Adjunta da UE na África do Sul, conselheira política do representante Especial da UE junto da União Africana e é, atualmente, representante da Comissão Europeia em Lisboa. Sofia Moreira de Sousa é uma entusiasta pelas áreas das Relações Internacionais e acredita que valores como a "união e a empatia" podem levar a sociedade mais longe.
As Mulheres em Lugares de Poder
Sofia Moreira de Sousa tem há mais de 20 anos contacto direto com os meios da política e da diplomacia, tanto em Portugal como além fronteiras. Questionada sobre a representatividade das mulheres em lugares de poder, a propósito da eleição de Ursula von der Leyen para Presidente da Comissão Europeia, a convidada do Programa Dona da Casa responde: “É um marco histórico, porque é a primeira vez que temos à frente da Comissão Europeia uma mulher, mas temos também uma conjuntura: é a primeira vez que Portugal teve uma comissária, uma mulher, Elisa Ferreira, e que agora temos a comissária designada, Maria Luísa Albuquerque, também uma mulher. Portanto, a primeira vez é seguida de uma segunda, e esperemos por uma terceira e por aí fora. Começamos a ter cada vez mais, e bem, presença de mulheres em cargos relevantes na União Europeia. É bom porque conseguimos refletir a diversidade que temos na sociedade e que temos na União Europeia”, considera.
Apesar deste aumento de representatividade de mulheres em lugares de destaque, continua a verificar-se desigualdade entre homens e mulheres no acesso ao poder, em diversos países da Europa: “Há várias áreas em que tem sido difícil. Acho que é importante pensarmos que houve progressos, que estamos a andar no bom caminho, que há altos e baixos, mas que, acima de tudo, é preciso não esquecer qual é o objetivo da igualdade, de conseguirmos ter representatividade e de vermos homens e mulheres presentes em órgãos que são relevantes na tomada de decisões que nos afetam no nosso dia-a-dia. Na verdade, esta questão de termos igualdade em termos de representatividade é condição sine qua non para podermos ter uma sociedade que seja mais próspera, mais justa e mais sustentável", afirma a entrevistada.
"Não é uma questão de 'ah, é bom para as mulheres, não'. É bom para a sociedade, é bom para todos"
A Importância da Igualdade de Género na União Europeia
Para justificar a relevância da igualdade de género para a sociedade europeia, Sofia salienta: “Economia, para começar. Mas eu pegaria no facto de por que é que realmente para a União Europeia é importante, como é importante, aliás, para o mundo inteiro. Não é uma questão de ser moda ou de ficar bem, é uma questão de realmente conseguirmos ter uma sociedade mais justa, mais próspera, mais sustentável e, acima de tudo, de capitalizar em todo o potencial de desenvolvimento socioeconómico, de forma a conseguirmos desenvolver muito mais. Nós não podemos ter metade da força de trabalho subaproveitada, metade da criatividade, da inteligência, da empatia. (…) Se nós tivermos sociedades muito homogéneas, acabamos por não ter sequer flexibilidade para responder a imprevistos, a desafios. Portanto, esta diversidade que nós temos na Europa, que é maravilhosa a nível de nacionalidades, também tem que ser espelhada a nível de homens, mulheres, jovens, menos jovens”, defende a responsável.
"É da diversidade que resulta realmente o progresso"
A entrevistada acrescenta ainda: “A promoção da igualdade de género não é exclusiva da União Europeia. No mundo inteiro, o que as pessoas ambicionam é realmente uma sociedade mais justa, mais inclusiva e a defesa da igualdade de género está presente em muitos continentes. (…) Esta vontade e esta luta pela igualdade é uma luta que é mundial e que é boa para todos. Portanto, obviamente que a União Europeia tem este objetivo muito presente nas nossas políticas. A primeira vez que tivemos um colégio de comissários o mais paritário possível, dos 27, 13 mulheres comissárias, com a presidente, 14, foi agora, quando tivemos uma presidente da Comissão Europeia também mulher. Coincidência?"
Ser Embaixadora da União Europeia e Transmitir Mensagens para Países Diferentes
Com uma experiência vasta no mundo da diplomacia e na arte de trabalhar com pessoas de diversas culturas, Sofia partilha com os/as ouvintes do programa como é que uma mulher diplomata se consegue afirmar nos vários contextos em que tem de trabalhar: “Acho que tem muito a ver com a personalidade, com o contexto, com as equipas. Penso que os desafios são partilhados, de mulheres, homens… principalmente no mundo da diplomacia é importante saber ouvir, é importante a empatia. Perceber os contextos onde estamos, a realidade com que nos deparamos, o que é, por exemplo, em termos de hábitos, considerado cortês e menos cortês. Ajuda imenso conhecer a língua, mas acho que há muito a necessidade de saber ouvir, perceber e pensar qual é a minha mensagem, mas como é que eu adapto a mensagem ao interlocutor que tenho”.
"Há todo um código que é importante porque, quando nós fazemos o esforço de perceber o meio que nos rodeia, conseguimos interagir de uma forma muito mais efetiva"
Ainda sobre a importância de se saber transmitir uma mensagem, enquanto diplomata em diferentes países, a atual representante da Comissão Europeia em Lisboa destaca: “É importante partirmos da mesma premissa no sentido em que concordamos, e os 27 Estados-membro concordam, relativamente à igualdade de género, por exemplo, acerca de qual é a mais-valia e o porquê de promover essa igualdade. Há uma mensagem que é comum que é o que a desigualdade de género provoca. E também um ponto muito importante que é através da igualdade de género, do acesso ao emprego, da igualdade das condições laborais, que nós conseguimos combater a pobreza e a exclusão social - desde já pensando nas famílias monoparentais em que, muitas vezes, são as mães que estão à frente do agregado familiar e, portanto, se não há esta igualdade no mercado de trabalho, de oportunidades, de condições, nós estamos automaticamente a aumentar o risco de pobreza”, destaca.
A Abstenção nas Eleições Europeias
A entrevistada fala ainda com a jornalista Catarina Marques Rodrigues sobre as possíveis razões para existir uma elevada abstenção nas eleições europeias: “Acho que existem várias causas. Em Portugal, uma das causas que verificamos, muitas vezes, é que as pessoas já tomam a União Europeia como algo garantido. Já lá está, existe, ‘porque é que eu vou fazer o esforço de ir votar?’. Muitas vezes, nós tomamos como adquirido que a paz no continente, que a prosperidade, a livre circulação, etc, vai ser sempre assim e que já não vamos perder. E é errado", defende Sofia Moreira de Sousa.
"Em segundo lugar, a União Europeia, aquilo que a instituição faz, é complexo. As negociações e o impacto na vida das pessoas é real, acontece todos os dias, mas nem sempre há tempo ou consciência desse impacto. E, muitas vezes, só nos apercebemos quando somos impactados negativamente. Depois, há também esta questão de realmente comunicar e chegar às pessoas, passa por uma política educacional em que se fala mais na Europa, do que nos une. Se nós não estivermos unidos, não vamos conseguir resolver os problemas que são cada vez mais globais como as alterações climáticas, a luta contra a pobreza ou as guerras”, afirma a convidada.
Numa conversa sobre diplomacia, a igualdade de género, as mulheres no poder e os preconceitos que viveu, a abstenção nas eleições europeias, o Brexit, o impacto das diretivas europeias, a desigualdade salarial e muito mais, Sofia Moreira de Sousa fala-nos do seu percurso profissional, dos valores da União Europeia e da importância da empatia.
"Dona da Casa" - São artistas, deputadas, atletas, empresárias e líderes. Têm destaque público, são donas da sua vida e provam que se pode ter vários papéis. Catarina Marques Rodrigues guia conversas sem filtros com mulheres, mas não só. Disponível em antena3.rtp.pt, RTP Play, Spotify, Apple Podcasts e YouTube da Antena 3.