Maria João Bahia: “Na maioria das oficinas, tanto na joalharia como na relojoaria, são quase tudo homens a trabalhar”
Com 38 anos de carreira, Maria João Bahia é uma das joalheiras mais conhecidas de Portugal e conta com diversos projetos icónicos: desde a autoria do troféu dos prémios Globos de Ouro até à produção de peças únicas e exclusivas para os Papas Francisco e Bento XVI. Dona da sua própria loja na Avenida da Liberdade, a entrevistada do Podcast Gender Calling conta-nos o percurso que fez para conseguir lançar o seu negócio e partilha algumas dicas de como singrar no mercado de trabalho.
Apesar de ter sentido uma atração pela área do Direito, Maria João Bahia demonstrou, desde cedo, um grande talento para a joalharia e para o negócio. Com apenas 14 anos, apaixonou-se pela arte de criar colares e pulseiras (que fazia com conchas e feijões) e, desde aí, nunca mais parou: “De Direito eu gostava muito da vertente internacional, mas em casa não tinha muita ligação com essa área. Nasci e cresci no meio artístico (…) e a paixão era mesmo a joalharia”, revela.
Conseguiu o seu primeiro trabalho numa oficina de pratas na cidade do Porto, onde era a única mulher. Foi aí que percebeu que, apesar de se poder considerar o setor da joalharia como um setor feminino, este é, na verdade, dominado por homens: “Quando eu comecei, numa oficina de pratas no Porto, só trabalhavam homens. As únicas mulheres que lá trabalhavam era na parte do escritório. Na parte da oficina, não havia mulheres - exceto eu - se não estou em erro. (…) Hoje em dia, na maioria das oficinas, mesmo aquelas que conheço fora de Portugal, tanto na parte de joalharia como relojoaria, são quase tudo homens que estão a trabalhar. Há uma percentagem muito maior de homens do que de mulheres.”
Mais tarde, já em Lisboa, a convidada do podcast deu os primeiros passos para a abertura de uma loja em nome próprio, graças à aquisição de uma oficina onde começou a fazer arranjos para outras lojas: “Surgiu a hipótese de ficar com uma oficina e com as máquinas, e aí comecei a trabalhar. Ia às lojas de joalharia na Baixa e perguntava se queriam arranjos, fios e anéis para pôr na medida”, conta a entrevistada.
Sempre com o norte bem definido, Maria João Bahia foi à procura do sonho e recusou muitas ofertas que, a seu ver, podiam desviá-la daquilo que queria: “(Ter a minha própria marca) estava definido desde o princípio. Sabia exatamente o que é que eu queria e, sobretudo, o que eu não queria: sabia que queria uma loja, mas que não queria ter representação de marcas, sabia que não queria vender relógios, sabia que não queria ir para um centro comercial. As coisas principais estavam bem definidas na minha cabeça”.
Maria João partilha também que a autoria dos prémios Globos de Ouro foi muito importante para a projeção da sua carreira e que, apesar de já ter feito trabalhos para várias figuras conhecidas do grande público, todos os seus clientes foram e são importantes para si: “Todos os projetos são altamente desafiantes. Tudo o que me tem acontecido, têm sido projetos em que tenho investido muito de mim e que têm tido uns resultados ótimos. Os clientes têm sempre histórias interessantes e aprende-se imenso com grande parte deles”.
Por fim, e mesmo com todo o esforço colocado no negócio, a convidada do Podcast Gender Calling admite que se sente sempre algum receio de o trabalho poder não ser aceite no mercado de trabalho, e alerta para a importância de se poupar e reinvestir no próprio negócio para o fazer crescer: “Gastar tudo o que temos é impensável, porque não sabemos se no mês a seguir temos dinheiro ou não. Tem que se valorizar as pessoas quando começam a trabalhar e as próprias pessoas têm que descobrir o seu lugar no mercado de trabalho”, defende a joalheira.
Uma conversa descontraída sobre a criação e as dificuldades de um negócio próprio, a disciplina, resiliência e o valor das jóias no estabelecimento da identidade, do posicionamento e da atitude de quem as usa.