Joana Seixas: “São os povos mais reprimidos, e as mulheres mais reprimidas, que precisam de mais apoio das feministas ativas”

Joana Seixas: “São os povos mais reprimidos, e as mulheres mais reprimidas, que precisam de mais apoio das feministas ativas”
A atriz Joana Seixas é a 5ª convidada de Catarina Marques Rodrigues no "Dona da Casa"

Tornou-se conhecida do grande público com apenas 11 anos, quando integrou o grupo musical infanto-juvenil “Onda Choc”, e hoje é uma das atrizes mais reconhecidas da sua geração com um vasto reportório de projetos em televisão, cinema e teatro. Joana Seixas é uma mulher de causas, ativista e que acredita na importância da liberdade global: “Sem estamos todos libertos, não há uma pessoa liberta”, defende.

A Liberdade, as Tecnologias e as Crianças

A liberdade, nas suas variadas formas, é um dos valores mais importantes que temos não só enquanto seres individuais, mas enquanto sociedade, considera Joana Seixas. Neste sentido, a entrevistada do Podcast Dona da Casa começa por falar sobre a forma como, a seu ver, estamos a perder a liberdade gradualmente: “É verdade (que a liberdade está a escassear). A minha relação com a natureza tem muito que ver com esse lado da liberdade, porque o voltar à natureza, a esse lugar de escuta ativa, de observação do que se está a passar, é um lugar que se perdeu com a vida das cidades, com a vida acelerada em que vivemos. Temos de estar permanentemente a contribuir para uma sociedade que tem de estar sempre a produzir e não nos é dado esse espaço, esse tempo e essa liberdade de estar só no silêncio. E as crianças precisam desse lugar de liberdade, desse tempo que é muito diferente do nosso (dos adultos). A capacidade que as crianças têm de observar o mundo, muitas vezes, é-lhes retirada, porque é-lhes permanentemente toldada por ambientes que são controlados”, afirma.

A atriz realça, ainda, o impacto das tecnologias na liberdade e o importante que, para si, é restringir o uso destes meios às crianças: “Eu sou uma mãe de gerações diferentes, o meu filho já tem 22 anos, portanto já não sou eu que intervenho nessa matéria. Mas, tanto o meu filho mais velho como o meu enteado agradecem-nos, de alguma forma (por terem tido restrições ao uso de tecnologias), sendo que eles cresceram numa época em que ainda não estava tão exacerbado o uso dos meios tecnológicos, ainda que já fosse comum. (…) Há muitas proibições que são fundamentais para educar, porque são proibições que levam à 'liberdade', como este caso que estamos a falar. Tenho um filho com 9 anos que não vai ter telemóvel tão cedo”, garante em conversa com Catarina Marques Rodrigues.

A Luta pela Palestina

Joana Seixas tem tido, nos últimos meses, um papel ativo na luta pela libertação da Palestina, fazendo múltiplos apelos nas suas redes sociais. Questionada sobre o porquê deste tema ser tão importante para si, a atriz respondeu: “Bom, para já, é um tema muito antigo, apesar de só agora ter vindo à luz do dia. É um tema que tem a representação de várias causas e de várias lutas dentro da causa da Palestina: primeiro estamos a falar de um processo de colonização de territórios ocupados, e tem sido sempre a luta e a resistência de um povo a um processo de colonização permanente do qual 'nós ocidentais' somos muito responsáveis como colonizadores que fomos de muitos sítios, noutras épocas em que não havia conhecimento. (…) O Homem, por natureza, é um ser opressor e há esta tendência inequívoca de oprimir permanentemente para conquistar, para ocupar um lugar de relevo. O facto de a sociedade estar a tentar evoluir no sentido de equilibrar e colmatar esse lado opressor foi apenas uma ilusão onde incluíram o mundo ocidental, como se nós vivêssemos nessa ilusão de que já não somos colonizadores nem somos colonizados, mas isto não é a realidade. A Palestina é o reflexo mais evidente da conivência direta da Europa, e dos EUA, com essa colonização ativa e dessa ocupação do território. É uma ameaça constante e um terror em que aquelas pessoas vivem”, declara.

A entrevistada evidencia, ainda, a íntima ligação que, a seu ver, existe entre o crescimento da extrema-direita em diversos países e o que está a acontecer na Palestina: “Enquanto não derrubarmos de vez esta ideia de que o opressor tem esta capacidade de ocupar apenas porque tem mais meios financeiros, porque quer desenvolver as suas atividades económicas e manter a população toda refém deste mundo capitalista e consumista, ali (na Palestina) temos um exemplo do que é que é isso levado ao extremo. Nós achamos que estamos muito longe desse extremo, mas a extrema-direita está a levar-nos para lá. Eu sempre fui uma defensora da liberdade, no sentido mais lato da palavra, e a liberdade das pessoas e dos povos, para mim, é uma das coisas fundamentais".

"Uma das coisas que para mim é muito importante na liberdade é que, sem estarmos todos libertos, não há uma pessoa liberta”

Ser Atriz e Politicamente Ativa

Tendo em conta a sua grande visibilidade, enquanto uma das atrizes mais conhecidas de Portugal, quisemos saber de que forma é que o seu posicionamento político relativo à Palestina tem ou não riscos para o seu trabalho. A ativista explicou: “Sempre tentei manter o meu espírito livre. Acho que como atriz, como artista, como ser pensante e criativo, manter essa independência de pensamento, para mim, é crucial para a vida. (Posicionar-se politicamente) tem muitos riscos e eu já sofri alguns deles, outros nem por isso. São riscos que eu não posso controlar, infelizmente. E também não consigo passar uma imagem daquilo que eu não sou, tenho muita dificuldade nisso. Não consigo fazer essa manipulação; para mim é uma traição a mim própria e ao meu espírito livre de artista, ou seja, uma coisa é eu poder ter algum cuidado com as palavras e perceber que existem várias facções, e acho que tenho tido cuidado com os termos que uso. As pessoas que vivem em Israel também têm que ser respeitadas. Existe uma quota parte daquela sociedade que está debaixo de uma opressão gigantesca e que é conivente com ela”.

Relativamente aos conteúdos que partilha nas redes sociais alusivos à Palestina, e à forma como o público e as marcas veem o seu posicionamento, Joana afirma: “Já (recebi críticas), claro. Por exemplo, como sempre fui uma feminista ativa, algumas pessoas acham que, ao estar a defender um país árabe onde há repressão feminina, estou a defender que as mulheres devem ser reprimidas, mas é exatamente ao contrário! São exatamente os povos mais reprimidos, e as mulheres mais reprimidas, que precisam de mais apoio das feministas ativas. São essas mulheres que precisam de se libertar. Agora, como é que elas se vão libertar? É um processo que só lhes diz respeito a elas. É um processo da sua cultura. Sem a libertação do espaço, da sua casa, da sua capacidade de sobrevivência, sem o direito à agricultura, à terra  (que lhes é negado), nós não podemos ir aos direitos das mulheres. (…) (Também) noto um decréscimo (de interação nas redes sociais) de uma parte de pessoas, mas um aumento de outras. Isto é sempre um ‘pau de dois bicos’".

"Sei que (falar ativamente no tema da Palestina) já me retirou contratos financeiros incríveis, mas eu prefiro viver a minha vida de outra forma. Não vejo no dinheiro sempre a resposta para tudo, para mim não vale tudo”

O Movimento Me Too em Portugal

Corria o ano de 2017 quando rebentou, nos EUA, o movimento Me Too, através do qual múltiplas mulheres expuseram casos de assédio sexual na indústria de Hollywood. Em Portugal, para Joana Seixas, a falta de robustez deste movimento pode dever-se a três razões: “Uma das coisas talvez seja a nossa pequena dimensão da indústria nessa área, não somos assim tantas (em comparação com os EUA). Outra das razões também pode ser o receio de perder trabalho e, ainda, pode ter que ver com a personalidade portuguesa e com a forma de nós estarmos na política, porque isso é um assunto político. Há muitos artistas que são vocais politicamente, felizmente, mas existe uma certa classe artística que não o é. Existe um certo receio de manter a coisa morna. (…) Manter as coisas mornas é só estar a protelar a sua resolução", refere a convidada

"Às vezes são precisas atitudes radicais, mesmo que muitas vezes tenham leituras erradas dentro da sociedade, como é o caso da luta climática. Com isto, eu não acho que todas as ações são certas. No ativismo, nós vamos sempre errar - é a única forma de aprendermos”

Joana partilha, ainda, um pouco da sua experiência pessoal no que diz respeito ao assédio sexual e alerta para importância de educar as mulheres para este tema: “(O assédio sexual) aconteceu (comigo) de uma forma ‘ligeira’, nunca sofri nenhum tipo de violência nem de assédio grosseiro; foi no campo verbal e eu apercebi-me logo. A minha postura foi a de imediata renúncia e afastamento. Eu sempre me defendi muito precocemente do assédio e acho que esse tem sido também um dos problemas na educação das mulheres – educar desde cedo para o consentimento e até onde é que vamos, mesmo que nos estejam a coagir, (é fundamental)”, sustenta.

O Tabu da Menstruação

Para além da necessidade de se educar mulheres e homens para o tema do assédio sexual, é também imperativo fazê-lo para o assunto da menstruação que, de acordo com a atriz, ainda causa hesitação em muitas pessoas e só se conseguirá combater quando se tornar um assunto de toda a sociedade: “Existe uma relutância enorme em se falar da menstruação, como se fosse um assunto que se deve deixar ‘sossegado’, como se todas não menstruássemos. Para além disso, a menstruação é o início da descoberta do teu corpo e do teu desenvolvimento como mulher. (…) Por exemplo, o projeto Todas Merecemos (do qual Joana faz parte) tem estado, nos últimos três anos, a trabalhar com as escolas. Fazemos ações com as turmas, com os rapazes e com as raparigas, porque não é um assunto só de mulheres, é de toda a sociedade. Enquanto não for um assunto de toda a sociedade, vai ser sempre desigual, vai haver sempre inacessibilidade, desconhecimento. (…) As redes sociais trouxeram-nos uma parcela de acesso a testemunhos vivos de pessoas sobre a menstruação que nos levam a todas nós a procurar identificação. Este fator de identificação também nos liberta, porque percebes que isto é um assunto de todas”, comenta a entrevistada.

Ser Madrasta

Foi em 2004 que Joana Seixas participou na série “Morangos com Açúcar” (TVI) com uma personagem que representava o estereótipo da “madrasta má”. Por ser madrasta na vida real e querer desmistificar este tabu, a atriz confessa que esta não foi uma personagem que tenha adorado fazer: “Às vezes, as coisas ficam um pouco descontextualizadas, (por isso dizer que ) eu não gostei de fazer a personagem, o que não quer dizer que não tenha gostado de fazer o trabalho. Aquela personagem, naquela altura da minha vida, não me caiu bem; achei que ela representava um estereótipo com o qual eu não me identificava e que deveria ser combatido. Nós ainda vivíamos aquela ideia da ‘madrasta má da Cinderela’, que ainda permanece”, acredita. “Existe essa imagem de que a madrasta é apenas a namorada do pai e que está lá tipo ‘bibelô’. É um papel de diminuição do lado feminino; é como se o teu papel dentro de uma relação se limitasse a seres ‘mulher de’ - e isso não é verdade. Tu és uma mulher independente que estás com aquele pai que tem um filho de outra relação e tu vais construir uma nova relação. A construção dessa nova relação exige muito de uma pessoa, muitas vezes tens que te comprometer com coisas com as quais tu não estarias à espera – é uma aprendizagem muito grande para o casal. Quando nós somos ‘boasdrastas’ temos mais fatores a ter em conta, temos de ter uma sensibilidade muito mais apurada do que quando não somos e isso até nos aguça a capacidade de educar. No meu caso, a Maria (primeira enteada) aguçou-me imenso a minha capacidade de procurar a melhor educação para o meu primeiro filho biológico. Foi uma preparação, no bom sentido”, revela.

Numa conversa envolvente, Joana Seixas aborda temas de extrema relevância, partilhando a sua visão sobre a liberdade, a guerra na Palestina, o ativismo social e climático, o assédio sexual, o empoderamento das mulheres, a sua presença nas redes sociais, ser mãe, madrasta e, ainda, a questão da juventude na indústria da representação.

"Dona da Casa" - São artistas, deputadas, atletas, empresárias e líderes. Têm destaque público, são donas da sua vida e provam que se pode ter vários papéis. Catarina Marques Rodrigues guia conversas sem filtros com mulheres, mas não só. Disponível em antena3.rtp.pt, RTP Play, Spotify, Apple Podcasts e YouTube da Antena 3.