Haua Embaló: “As pessoas pensam que a menstruação é algo que deve ser escondido, porque não é algo bom”
Com 43 anos de idade, Haua Embaló dedica a sua vida profissional a sensibilizar mulheres e meninas de toda a Guiné-Bissau para um tema tão importante como o da saúde menstrual. Fundadora da marca Nha Lua, onde vende produtos de higiene menstrual especialmente para a população feminina guineense, a educadora menstrual trabalha como consultora para ONG’s e procura, diariamente, lutar pelos direitos das mulheres, quebrando tabus e preconceitos.
Haua, nascida na Polónia e criada na Guiné-Bissau, sempre teve o sonho de estudar e o bichinho da luta pelos direitos humanos. Assim sendo, e tendo em conta as dificuldades de acesso à educação no país onde cresceu, decidiu ir estudar para o Brasil: “Eu fui para o Brasil bastante jovem, aos 18 anos. O Brasil tem um programa de cooperação com vários países e eu recebi uma bolsa parcial. Não pagava a faculdade e fui estudar Administração/Gestão de empresas, mas na verdade não era a minha paixão. Eu queria fazer outra coisa completamente diferente; queria fazer Relações Internacionais ou algo do género, mas não tínhamos muitas opções. Se dissessem que havia vaga para Administração, era para lá que tinhas de ir. Na altura, não havia universidades cá na Guiné-Bissau” – conta a entrevistada do Podcast Gender Calling.
Depois de 5 anos a estudar no estrangeiro, Haua regressou à Guiné-Bissau onde trabalhou em duas empresas e, em 2004, começou a sua atividade profissional a colaborar com uma ONG. Foi através de um projeto relacionado com a higiene nas escolas que percebeu a urgência em divulgar e sensibilizar as pessoas para o tema da saúde menstrual: “Eu estava a dirigir um projeto relacionado com a higiene nas escolas e comecei a interessar-me pelo tema (menstruação), porque vi que ninguém abordava isso, praticamente. Foi aí que comecei a interessar-me mais, no sentido de quebrar tabus, mas também de dar informação séria, científica e livre de vieses que a sociedade constrói”, conta.
Apesar de a menstruação ser um processo natural e fisiológico, que acontece todos os meses no corpo da mulher, na Guiné-Bissau, a realidade é a de uma sociedade que vive com pudor e rodeada de crenças negativas em relação a este tema, segundo o que nos revela a entrevistada: “Havia pudor e ainda há. As meninas tinham de pedir dinheiro disfarçadamente para comprar pensos. (...) As mulheres fazem de tudo para que não se saiba. Quando eu vou fazer oficinas com meninas, peço-lhes para fazerem perguntas anónimas para eu tentar responder e posso dizer que 85 a 90% das perguntas são do género: ‘Como é que eu posso fazer para que ninguém saiba que eu estou a menstruar?’. Isto demonstra o nível de tabu e de secretismo que ainda envolve o tema.”
A entrevistada acrescenta que este "secretismo" e tabu começa em casa, onde se propagam ideias de que a menstruação é algo mau e sinónimo de “sangue sujo”: “O secretismo está na família, em casa. Há muitos mitos. Há quem diga, por exemplo, que se alguém apanhar um penso reutilizável pode fazer-lhe mal. As pessoas pensam que é algo que não se deve saber, porque não é algo bom. É algo que deve ser escondido. Associa-se a menstruação ao sangue sujo. Aliás, a maior parte das meninas e até adultos a quem pergunto sobre o que é a menstruação, dizem que é ‘O sangue sujo que sai do corpo da mulher’. Justamente por associarem a menstruação a um sangue sujo, as meninas são levadas a ter pensamentos menos positivos”, explica.
Por estas razões, Haua, enquanto educadora menstrual, procura quebrar estes mitos, acreditando sempre que ainda é possível mudar mentalidades, principalmente no que toca às crianças: “Eu procuro quebrar estes mitos, fazendo analogias muito simples do quotidiano. (...) As crianças ainda estão a construir o saber e acredito que, se tiverem informação correta, livre de mitos, serão adultos que terão menos preconceitos.”
Nesta conversa com o Gender Calling, Haua Embaló conta-nos a realidade de um país onde "as mulheres ainda são vistas como um encargo para a família" e "não têm o mesmo tratamento e oportunidades que os homens", fala-nos sobre a pressão que existe em relação à mulher africana para a maternidade, o constrangimento em relação à menstruação e a urgência em educar crianças para a igualdade racial, social, de género e para tudo o que implica ser mulher.
Catarina Marques Rodrigues entrevistou Haua Embaló na Guiné-Bissau.
Entrevista disponível no Podcast Gender Calling (em todas as plataformas).