Há inclusão no envelhecimento? "Nós sofremos com o fator idade logo a partir dos 25 anos!”
Haverá inclusão no envelhecimento? A maneira de olhar para a idade das mulheres é igual em todas as culturas? Terá o mesmo significado completar 50 anos para uma mulher negra e para uma mulher branca?
Foram as questões debatidas no painel dedicado à inclusão na Women Aging Summit, um evento que quis promover um espírito de comunidade e desconstruir preconceitos associados ao envelhecimento feminino.
Com palco no auditório da Central Tejo, em Lisboa, o painel "Gender Calling Talks" trouxe realidades que podem passar ao lado da maioria das pessoas -- incluindo de outras mulheres -- que sofrem os preconceitos do envelhecimento, mas sem experienciar outras camadas de discriminação como a etnia ou a cor da pele.
Para elucidar como é a vivência do envelhecimento por parte de mulheres negras, sentaram-se no palco Neusa Sousa, fundadora do Chá de Beleza Afro e mestranda em Estudo das Mulheres, e Evódia Graça, coach de liderança e consultora de negócios. A partir do Porto, através de videochamada, juntou-se Maria Gil, atriz e ativista do movimento feminista das mulheres ciganas em Portugal.
Aos 25 anos, é comum as jovens negras já serem invadidas com perguntas sobre quando terão filhos, caso ainda não tenham, já que é habitual na cultura africana já terem mais do que um filho quando atingem essa idade, explica Neusa. A pressão vem de vários lados e por vários motivos, ora para casar, ter filhos, ora para ter mais um filho. Mesmo sendo mãe solteira, Neusa conta que sente a pressão das pessoas que a rodeiam para que tenha um segundo filho: uma pressão que vem da mãe, da família, de amigas e até seguidores nas redes sociais. “Sinto pressão como se tivesse 40 anos!”, relata a fundadora do Chá de Beleza Afro, uma plataforma de conexão entre mulheres negras. Sublinha: “Nós, mulheres negras, sofremos com o fator envelhecimento não só quando temos por volta de 45 anos, é logo a partir dos 25!”.
É uma realidade comparável ao cenário traçado por Maria Gil, atriz cigana. Por um lado, dentro da comunidade cigana, existe pressão “bem forte” para que as meninas casem e tenham filhos bastante cedo; por outro lado, de fora da comunidade, chegam julgamentos por as mulheres "terem muitos filhos". Nesta comunidade, “a prioridade da maioria das mulheres é cuidar dos filhos, perdendo-se a liberdade e a construção social”, explica Maria.
A ativista de 50 anos também conta que as mulheres ciganas empobrecem mais cedo do que outras mulheres “por causa do trabalho precário”, afirmando mesmo que, “em média, as pessoas ciganas morrem 8 a 12 anos mais cedo”, por terem tido “um acesso tardio à saúde pública e obstétrica”, à discriminação que sentem nos estabelecimentos de saúde e que não lhes permite receber os cuidados necessários e às fracas condições para uma alimentação saudável devido à situação económica.
Os dados mais recentes disponíveis online referem-se a um estudo de 2009, noticiado pelo Diário de Notícias. Segundo a Rede Europeia Anti-Pobreza, uma pessoa cigana vivia, em média, 60 anos, sendo que a esperança média de vida europeia se situava nos 78, em 2009. Verifica-se, ainda, que 23% das ciganas portuguesas nunca tinham ido ao ginecologista.
Evódia Graça: “Não quero ver negras apenas no painel sobre diversidade e inclusão”
No painel que decorreu no domingo dia 12 de março, Evódia Graça afirmou que sempre foi “disruptiva” no seu modo de vida, não seguindo o rumo que os pais queriam para ela. Cresceu em Cabo Verde, foi para Portugal com 18 anos com o objetivo de ir para a universidade, e foi depois assessora de políticos e empresários de sucesso. A empresária conta que chegou a receber “vários nãos, por ser africana” quando procurava casa, na condição de mãe solteira de dois filhos. Sobre o peso que existe sobre a mulher africana, Evódia revela também que, quando contou à família que se ia separar, “reagiram a chorar com pena do marido”.
O contexto onde nascemos influencia, nos mais variados aspetos, as oportunidades que vamos encontrando ao longo da vida. Na sua vida profissional, Evódia descontrói “crenças limitadoras resultantes da identidade”. No palco da Women Aging Summit, terminou o seu testemunho com um pedido: "Não quero ver negras apenas no painel sobre diversidade e inclusão, quero ver na plateia e noutros palcos do evento”.
O Gender Calling foi parceiro de media da Women Aging Summit, que decorreu na Central Tejo — a antiga central termoelétrica da região de Lisboa — de 10 a 12 de março.