"Nós pensamos na não-monogamia de forma mais política e não numa perspetiva apenas sexual"
Afinal, o que é ser não-monogâmico? Como se conjugam relações com várias pessoas? Como é que se garante que toda a gente está confortável? Como é que se define o que é uma traição? Quais são as reações de família, de amigos e da sociedade? No mês em que se celebra o Dia dos Namorados, quisemos conhecer a realidade dos casais não-monogâmicos e do poliamor. Falámos com Bruno e Mariana, dois dos três autores do Podcast "Rambóia com Moderação".
Como se conheceram?
Bruno (B): Eu e a Mariana tínhamos uma relação poliamorosa, ou seja, aberta a outros sentimentos, outros relacionamentos e outras parcerias. Na altura, a Mariana tinha outro parceiro que, por sua vez, tinha outra parceira, a Cris. Por coincidência, eu conheci a Cris numa aplicação de encontros e, quando nos apercebemos, estávamos os quatro interligados.
Como foi o processo de perceberem que a não-monogamia podia ter sentido na vossa vida?
B: A Cris foi “introduzida” às relações não-monogâmicas aquando da relação com o antigo parceiro da Mariana. Ela já acreditava que a não-monogamia podia fazer sentido na sua vida, mas nunca tinha posto em prática até então. Quando a conheci e ela passou a ser minha parceira, fomos desenvolvendo também uma relação familiar.
Mariana (M): Já eu e o Bruno tivemos uma relação monogâmica durante algum tempo, mas chegamos à conclusão de que a queríamos abrir. Desde o início da nossa relação, sempre conversámos muito sobre os nossos interesses sexuais. Chegou a um momento em que confiávamos muito um no outro e, por isso, sentíamo-nos preparados para começar a explorar, lentamente, o mundo das relações não-monogâmicas. Como sou bissexual, tinha muita curiosidade em saber como é estar com uma mulher. Na altura, isso interessava-me mais do que estar com outros homens. Desta forma, decidimos começar a ir, individualmente, a encontros e a conhecer pessoas com as quais estabelecemos relações afetivo-amorosas. Assim, tivemos de renegociar as regras da nossa relação.
B: Tivemos mesmo de desafiar a hierarquia. Acho que, atualmente, consigo perceber que a decisão de explorar a não-monogamia foi muito mais importante do que achávamos que iria ser. Inicialmente, pensava que ia ser uma brincadeira, agora faz parte da nossa identidade.
Acham que a forte confiança que tinham um no outro foi fundamental para que a abertura da relação tenha corrido bem?
M: Sem dúvida! Se não confiássemos tanto um no outro e se não tivéssemos uma comunicação tão sólida, seria muito mais complicado. Abrir uma relação não a salva, como muita gente pensa. Este processo acaba por ser uma disrupção enorme que traz muitos desafios e obstáculos. Na nossa opinião, ou se começa em solteiro, ou numa relação saudável e estável.
Qual foi a reação das pessoas que vos rodeiam?
B: Nós começámos por contar aos nossos amigos mais próximos e aos nossos irmãos. Como era uma novidade para nós, sentíamos uma grande necessidade de partilhar com o mundo a boa experiência que estávamos a ter. Assim, no início, não tivemos ótimas reações à notícia, porque as pessoas se sentiam desconfortáveis com o nosso “oversharing” (partilhar demais).
M: Inicialmente, as pessoas acham um perigo para a nossa relação. No entanto, não tivemos ninguém que nos criticasse – nem a nossa família que, apesar de ter precisado do seu tempo para assimilar, aceitou bastante bem. O irmão da Cris ficou bastante incomodado, mas acabou por se habituar e hoje lida muito melhor com a situação. Numa fase inicial, as pessoas ficam chocadas e, por vezes, até assustadas. Sentimos que, acima de tudo, a nossa família ficou com receio da reação que a sociedade teria sobre a nossa relação. No entanto, no geral, somos uns privilegiados, porque há pessoas que têm famílias que reagem de forma muito pior. Tudo depende dos círculos onde estamos inseridos.
Que tipo de perguntas costumam receber?
M: “Sentem ciúmes?” e “E quando tiverem filhos?” são as perguntas que mais nos costumam fazer. Acho que as pessoas têm muita dificuldade em perceber que aquilo que faz sentido para a nossa vida não tem de fazer na delas. Nós pensamos na não-monogamia de forma mais política e mais focada na liberdade e não numa perspetiva apenas sexual. As pessoas monogâmicas tendem sempre a achar que a nossa maior preocupação é “como é que vamos todos juntos para a cama”.
B: Na realidade, isso é uma projeção daquilo que estas pessoas queriam tirar da não-monogamia.
Acham que têm um fundo de curiosidade ou de maldade?
B: A meu ver, têm um fundo de inveja e frustração. Há pessoas que veem pessoas não-monogâmicas a fazer aquilo que elas queriam fazer mas, como estão dentro do “jogo que a sociedade manda jogar”, acabam por se sentir muito frustradas.
M: Na minha opinião não tem a ver com inveja ou frustração. Muitas vezes, como as pessoas não se conseguem imaginar numa relação destas, acabam por lhes surgir muitas dúvidas e questões. De facto, não há nenhum exemplo de não-monogamia nos meios de comunicação tradicionais, nem na ficção. Retrata-se constantemente traições ou situações altamente sexualizadas, o que acaba por confundir ainda mais as pessoas.
Como é que se lida com os ciúmes?
M: A questão dos ciúmes é claramente algo que nos perguntam bastante. No entanto, consideramos que este é um problema muito mais incidente nas relações monogâmicas.
B: A não-monogamia ajuda a resolver este flagelo, porque acabamos por fazer exercícios que nos ajudam a ser menos ciumentos. Nós acabamos por exercitar as nossas inseguranças e a dos nossos parceiros.
É possível trair numa relação não-monogâmica?
M: Sim, é! A traição passa muito mais por quebrar um acordo do que propriamente por “ir para a cama" com outra pessoa. Na realidade, a maior parte das pessoas não se preocupa muito com o ato em si, mas sim com a quebra de confiança que ocorreu. Na não-monogamia não falamos tanto em “traições”, mas sim em “quebras de acordos/limites”, porque é tudo mais negociável. Um exemplo de traição numa relação não-monogâmica é a não utilização de barreiras de proteção, quando isso tinha sido previamente acordado.
Sentem-se incluídos no Dia dos Namorados? Nas campanhas, nos anúncios, nas publicações?
M: Eu adoro celebrar tudo: aniversários, dias especiais, datas de namoro. No entanto, tenho noção que o Dia dos Namorados é altamente comercializado e está muito mais ligado ao consumo do que propriamente à celebração do amor. Além disso, hierarquiza imenso as relações românticas. Algo que falamos muito no Rambóia com Moderação é que há muito mais tipos de amor do que o amor romântico/romântico-sexual. Há muitas formas de amor, como o amor da amizade, o da família, o comunitário; e todas elas devem ser celebradas. Não faz sentido festejar só o amor romântico. E, obviamente, todas as promoções e campanhas que se vê é para relações monogâmicas e, especialmente, heteronormativas. Ainda por cima, a única “representatividade" que há é fazendo piadas sobre traições, do género: “Traga a sua mulher e a sua amante e oferecemos-lhe um desconto”.
Lembram-se de alguma história que vos tenha acontecido no Dia dos Namorados? Algo que não tenha corrido bem ou, pelo contrário, que vos tenha surpreendido pela positiva?
M: Um ano, decidimos celebrar o Dia dos Namorados um com o outro; no entanto já tínhamos aberto a nossa relação. Lembro-me também do primeiro ano que sugeri ao Bruno ir passar o Dia dos Namorados só com a Cris.
O que é, para vocês, o amor?
B: Para mim, o amor é quando consegues ser feliz com outra pessoa.
M: Eu acho que é muito difícil definir o amor. Muitas vezes, associa-se o amor a um sentimento explosivo mas, para mim, o amor é sentirmo-nos seguros e “em casa” com alguém. Podermos ser nós próprios com alguém, sem vergonha e sem medo do que vão achar, é amor.