Bárbara Branco: “A partir do momento em que o meu corpo, para mim, é certo ou errado, há alguma coisa que não é saudável”
Fez o seu primeiro projeto profissional em teatro com apenas 13 anos e foi aos 16 que se tornou conhecida do grande público enquanto “Guta” na novela “Impostora” (TVI), onde contracenou ao lado de notáveis atores, como Diogo Infante. Desde cedo, demonstrou o seu talento e, hoje, aos 24 anos, Bárbara Branco conta com um leque admirável de múltiplos trabalhos em teatro, televisão e cinema, sendo uma das atrizes mais reconhecidas da sua geração.
Ser Atriz Jovem
Com uma carreira que começou ainda na adolescência, e com o idadismo que por vezes existe em relação aos jovens, Bárbara Branco conta ao Podcast Dona da Casa como lida com as constantes comparações entre a sua idade e o seu trabalho, e de que forma é que encara a constante referência à sua juventude: "Nunca me incomodou precisamente porque vinha sempre com uma camada de elogio - ‘para a tua idade, és muito madura, já trabalhaste tanto’. Se bem que eu acho, pensando agora sobre isso, que sempre fui mais madura, mais ‘crescida’ também para me defender da idade que tinha. Eu comecei a trabalhar muito nova; o meu primeiro projeto profissional de teatro foi com 13 anos e em televisão foi com 16. Acho que pela idade com que comecei tive de ganhar uma maturidade que me defendesse dessa condescendência que, às vezes, têm em relação aos jovens. (…) Acho que sim (que existe um certo paternalismo disfarçado de elogio) e é também uma forma de te confinarem àquele lugar, ou seja, para a tua idade, nessa caixinha onde estás agora, que bem que estás”, explica a entrevistada de Catarina Marques Rodrigues.
A Juventude e a Beleza na Indústria da Representação
A pressão constante na indústria da representação para a manutenção da beleza e da juventude foi também tema de conversa. Segundo Bárbara, em Portugal, ainda não são dadas suficientes oportunidades aos atores com uma aparência que não vai ao encontro dos “standards da sociedade”, em comparação com outros países: “O Bridgerton (série na Netflix), por exemplo, tem atores de todas as ‘formas e feitios’. Tens outras séries, como a Grace and Frankie (Netflix) com a Jane Fonda, que é sobre duas mulheres que se divorciam aos 70 anos, começam a viver juntas e a descobrir a sua liberdade. Lá fora, criam-se oportunidades para atores mais velhos. Acho que cá ainda temos um longo caminho a percorrer em relação a isso”, lamenta a atriz.
Relativamente à juventude e à falta de perspetiva de trabalho para atores mais velhos, Bárbara acrescenta: “Depois também há a questão da ‘eterna juventude’. Chegas aos 40/50 anos e tens de começar a pôr coisas na cara para pareceres mais nova, porque é absolutamente ‘proibido’ apareceres em ecrã com rugas, com um corpo real. (…) Deixam de ser escritas personagens para essas idades. Se tu pensares, por exemplo, no público que vê novelas, é acima de tudo um público mais envelhecido. As pessoas mais velhas, muitas delas, ainda têm o ritual de ver as notícias ao jantar e depois sentarem-se a ver a novela. É muito importante que essas pessoas se sintam representadas, se sintam vistas e sintam que os seus problemas e questões, nessas idades, não são só delas e que não estão sozinhas”, defende.
As Críticas Duras em relação ao Corpo
No que concerne aos “ideais de beleza” que são impostos às figuras públicas, e aos comentários negativos que muitas vezes são feitos, a atriz confessa já ter sido alvo de comentários que a afetaram ao ponto de recorrer à terapia: “Já tive críticas duras em relação ao meu corpo, por exemplo. E foi a partir daí que voltei à terapia, em 2021. Na altura, fiz o Dança com as Estrelas (TVI) e lembro-me de haver a questão da comparação. Acho que para nós, mulheres, isto é ainda mais complicado. Lembro-me de estar em constante comparação com as pessoas que estavam à minha volta a competir. Não me sentia tão magra, tão bonita ou tão bem vestida. Eu tinha 18/19 anos e ouvia comentários a perguntarem se estava grávida, porque estava mais gordinha, eventualmente. Houve um comentário horrível a uma fotografia em que estava acompanhada e que dizia: ‘estás lindo/a, mas a tua amiga (a Bárbara) precisa de perder uns quilinhos”, recorda.
Com a presença marcante de comentários negativos relativos à sua imagem, Bárbara admite ter começado a encará-los como verdadeiros e a olhar para si própria de forma menos positiva: “Isto afetava-me. E não era só o que a outra pessoa tinha a dizer, era o facto de eu ler (os comentários) e tornar isso a minha realidade. O problema destes comentários para a pessoa que os recebe é tu pegares nisso que te dizem e tomares como verdade. Durante muito tempo, achei que era realmente mais gorda, como algo pejorativo, uma ofensa. E ainda estou a tentar afastar-me disso, ainda me assombra”, admite.
A atriz revela, ainda, que a sua relação com a imagem começou a afetá-la no contexto de trabalho – nomeadamente quando recebeu a proposta para participar na série “O Crime do Padre Amaro” (RTP) – e ressalta a importância da terapia para a ajudar neste sentido: “O meu primeiro impulso, quando recebo uma proposta de trabalho, é logo dizer que sim, porque gosto muito de trabalhar e porque o projeto (O Crime do Padre Amaro) era muito fixe, então, a minha resposta foi logo ‘sim, quero!’. Mas, de repente, comecei a pensar no que é que implicava e foi nesse segundo momento que fiquei muito assustada. Comecei a pensar que o meu corpo não era o corpo certo para aparecer nu numa série em horário nobre na RTP. Eu nunca fui super magra, sempre tive curvas e, de repente, para mim, isso começou a ser um entrave para o trabalho que eu estava tão entusiasmada para fazer. Tive que resolver o conflito entre eu querer muito fazer o projeto e achar que não tinha o corpo certo para tal (…) e tive de recorrer à terapia para o resolver. A partir do momento em que o meu corpo, para mim, é certo ou errado no contexto de trabalho, há alguma coisa que não é saudável. (…) Portanto, este projeto (O Crime do Padre Amaro) foi muito importante para mim não só pelo projeto em si, mas pelo caminho que me obrigou a traçar a nível pessoal de relação comigo”, reconhece a convidada de Catarina Marques Rodrigues.
"Não quero mais ser identificada como ‘a namorada de’, ‘a que está numa relação com’. Eu não sou a pessoa com quem eu estou; eu sou a Bárbara que é filha, irmã, atriz… sou tantas outras coisas"
A Vida Privada e o Olhar do Público
A curiosidade do público e da imprensa pela vida privada das figuras conhecidas é também uma questão que tem sido objeto de reflexão por parte da atriz que já participou em novelas da SIC e da TVI. Bárbara revela que já não lhe faz sentido partilhar tanto da sua vida privada para que não haja “espaço” para que se possa falar sobre isso: “Quando era mais nova, eu sempre achei que esconder coisas da minha vida era não estar a ser absolutamente sincera e honesta em relação a quem eu era, então, acho que abri essa porta (da minha vida pessoal). Estou numa fase em que isso já não me faz sentido. Não quero mais ser identificada como ‘a namorada de’, ‘a que está numa relação com’. Eu não sou a pessoa com quem eu estou; eu sou a Bárbara que é filha, irmã, atriz… sou tantas outras coisas. Na vida das pessoas que não são conhecidas, as relações começam e acabam, e está tudo bem. Não é assunto. Acho que aqui (no caso da relação de Bárbara com José Condessa) foi uma porta que foi aberta e, de repente, há a sensação de que há propriedade de se falar sobre as coisas. Ao longo destes 5 anos (de relação) fui ‘permitindo’ que o meu trabalho fosse reduzido a essa caixa de ser namorada daquela pessoa e, nesta fase, já não me faz sentido”, afirma a atriz.
Fazer Parte da Geração Z
Durante a entrevista ao Podcast Dona da Casa, Bárbara Branco partilha a sua visão sobre a Geração Z (que é a sua) e o facto de esta ser uma geração caracterizada, entre outras coisas, por pessoas com consciência social, ágeis, ansiosas, com identidades fluídas e com mais liberdade no que diz respeito à sexualidade: “Sem dúvida (que sinto que a minha geração tem mais liberdade)! E ainda bem que assim é. Ainda bem que já não nos faz tanto sentido ter de caber em ‘caixinhas sociais’ que nos são impostas. Acho que também só chegamos até aqui porque houve um trabalho das gerações anteriores. Cresces com normas sociais que te empurram para seres mulher ou homem heterossexual, para construíres uma família, para teres filhos… e acho que a nossa geração veio romper com isso e mostrar que é possível sermos outras coisas e sermos tudo isso ao longo da nossa vida. É possível eu com 24 ou 74 anos decidir mudar o rumo da minha vida. Quero acreditar que em qualquer momento da tua vida tu podes ser quem tu quiseres”, sublinha a convidada.
A Família
Bárbara Branco partilha ainda como lidou com o divórcio dos pais, a construção de uma nova família e a forma como toda a situação, ainda que difícil de lidar no início, acabou por ser “a melhor coisa que lhe aconteceu na vida”: “(O divórcio) marcou-me muito. Foi mesmo difícil para mim, na altura, lidar com a nova dinâmica familiar. (Na minha cabeça) o meu padrasto veio substituir o lugar do meu pai. Tinha também receio que esta nova família me tirasse a atenção da minha mãe. Com 9 anos ainda não tinha as ferramentas para lidar com isso e com o que estava a sentir (risos) e foi o meu primeiro contacto com terapia por via dessa nova família que se construiu e onde eu realmente aprendi o que é amar. Tenho a certeza que o meu padrasto me ama como ama os filhos dele. Esta família foi a melhor coisa que me aconteceu na minha vida”, confessa a atriz.
Numa conversa envolvente que aborda temas tão diversos, Bárbara Branco partilha as suas experiências pessoais e profissionais, como é ser atriz jovem em Portugal, as desigualdades de oportunidades que assombram atores mais velhos e da comunidade LGBTQ+ e, ainda, a sua vontade em fazer parte de projetos que abordem temas que a deixem inquieta e tragam consciência social.
"Dona da Casa" - São artistas, deputadas, atletas, empresárias e líderes. Têm destaque público, são donas da sua vida e provam que se pode ter vários papéis. Catarina Marques Rodrigues guia conversas sem filtros com mulheres, mas não só. Disponível em antena3.rtp.pt, RTP Play, Spotify, Apple Podcasts e YouTube da Antena 3.