Assunção Cristas: “Acho que o aborto é uma má solução, porque não respeita a vida nascente nem respeita, muitas vezes, a mulher”

Assunção Cristas: “Acho que o aborto é uma má solução, porque não respeita a vida nascente nem respeita, muitas vezes, a mulher”
A ex-líder do CDS foi a quarta convidada de Catarina Marques Rodrigues no "Dona da Casa"

Foi em 2007 que aderiu ao CDS onde se tornou deputada, ministra e, ainda, líder do partido durante quatro anos. Em 2020, retirou-se da política ativa e, desde então, Assunção Cristas dedica-se a duas dimensões da sua vida profissional: a faculdade - enquanto professora na Faculdade de Direito da Universidade Nova e Coordenadora do Mestrado em Direito e Economia do Mar – e a advocacia.

Ser Ministra Grávida em Portugal

Corria o ano de 2013 quando Assunção Cristas se tornou a primeira ministra grávida em Portugal. Na altura, aos 38 anos, a Ministra da Agricultura e do Ambiente engravidou do quarto filho e, contrariamente ao que alguns questionaram, não se demitiu do cargo e exerceu as suas funções até ao final da gravidez.

Em entrevista ao Programa "Dona da Casa", Assunção Cristas conta-nos como foi esta fase da sua vida e como foram as reações da comunicação social à notícia: “Para mim, o mais surpreendente, se calhar com alguma ingenuidade do meu lado, foi que isto fosse tão interessante e tema. Era a minha quarta gravidez e eu toda a vida tinha trabalhado. Fiquei muito surpresa com o facto de um órgão de comunicação social ter contactado o meu gabinete para perguntar se eu me ia demitir por estar grávida. Só a pergunta é uma coisa reveladora de como isto era, e acho que ainda é, um tema. Infelizmente, ainda não temos visto muitas mulheres grávidas na política. Se calhar, porque as mulheres continuam a ser sub-representadas ou a não chegar tão novas (à política). Achei uma pergunta absolutamente inconcebível e a resposta foi ‘é evidente que não. Que não se vai demitir’. Estive a trabalhar até ao final (da gravidez)”, acrescenta.

Do lado do Governo, a entrevistada confessa não ter havido qualquer renitência e assegura que a notícia foi bem recebida por todos os colegas: “Curiosamente, não sei bem como, a dada altura, correu um rumor no Governo de que eu estava grávida, quando não estava, e que eu ia sair do Governo por essa razão. Eu até senti a necessidade de dizer ao Pedro Passos Coelho (Primeiro-Ministro na altura) que era um rumor sem fundamento. Depois, quando de facto fiquei grávida, contei-lhe e ele felicitou-me. A notícia foi completamente bem acolhida quer do lado do CDS, quer do lado do PSD”, garante.

Sobre o tema da paternidade, Assunção Cristas destaca o facto de ainda existir um longo caminho a percorrer, em Portugal, no que diz respeito à presença ativa que um pai possa querer ter na vida dos filhos: “Eu tive um secretário de Estado que ficou à espera de criança pouco tempo depois e ele queixava-se que, no caso dele, não havia tanta atenção à sua circunstância de estar em licença de paternidade, porque esperavam que ele estivesse sempre presente (no trabalho). A disponibilidade para olhar para um homem que teve uma criança já não foi a mesma (em comparação com a de Assunção). É preciso mudar muito no que diz respeito às mulheres, mas também é preciso mudar muito em relação à perceção que se tem sobre o papel dos homens que também querem e poderão ser mais presentes (na vida familiar). Socialmente isto ainda está muito longe de ser aceite”, afirma.

A Mulher em Lugares de Liderança na Política

As questões da maternidade foram apenas uma parte do que Assunção Cristas viveu enquanto mulher na política. Ao longo dos anos em que esteve em lugares de destaque no CDS, a convidada conta que passou por situações em que era assumido que a sua função era a de assistente ou assessora e não a de maior importância: “Aconteceu por todo o mundo, até em países que eu diria insuspeitos, como no norte da Europa ou nos EUA. Eu chegava com alguém, um assessor, ao balcão do hotel para fazer o check-in, davam-nos os respetivos quartos e depois, quando comentávamos um com o outro como era o nosso quarto, o meu era sempre o pior (risos). Eu acho que, quando chegava uma mulher e um homem para fazer o check-in num hotel, havia a perceção de que ele é que tinha a função e a mulher era a secretária. Assumia-se isto completamente. Era estranho perceber-se que do outro lado havia um pré-entendimento absoluto de que havia um membro do governo que estava a chegar e esse membro era o homem, não a mulher”, partilha a entrevistada.

No que toca ao seu papel enquanto mulher líder do CDS, Assunção Cristas implementou algumas medidas que procuravam melhorar o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal de todos os membros do partido, nomeadamente o ajuste de horários: “Eu mudei duas coisas: uma foi mudar, por exemplo, a reunião da comissão executiva e coisas que tinham que ver com as pessoas que estavam profissionalmente na política para a hora de almoço; aquilo que tinha que ver com reuniões com mais pessoas que, inclusive, vinham de fora de Lisboa, fazia depois da hora do jantar, porque já permitia ir a casa, estar com os meus filhos, jantar cedo e, depois de eles irem para a cama, eu podia voltar para ter essas reuniões. Naquela época, em que os meus filhos eram pequenos, isto era importante, porque o final do dia é a pior altura para não se estar presente”, sublinha.

O assunto dos horários, igualmente abordado por Alexandra Leitão na sua entrevista no Programa "Dona da Casa", é encarado como um impedimento para as mulheres conseguirem estar mais presentes na vida política, por não ser possível conciliar as horas tardias das reuniões partidárias com uma participação ativa na vida dos filhos. Assunção Cristas partilha a sua visão sobre o tema, afirmando: “Acho que os horários é um tema muito difícil de ultrapassar. Hoje em dia, com a comunicação à distância, também há muitas coisas que mudaram, garantido que há, pelo menos, uma presença em casa que pode ajudar (os filhos). Mas isto nem sempre funciona, como quando as crianças são muito pequeninas. (…) É nesta parte que eu acho que a equação dos homens e das mulheres continua a ser diferente, os homens têm o trabalho, têm um hobby, têm a família, mas se os homens não estiverem, pressupõe-se que há sempre uma mulher, uma companheira que vai estar lá. As mulheres, para além de terem também o trabalho e os hobbies, ainda têm a família como um encargo que é sentido como seu, em primeiro lugar”.

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O Debate sobre o Aborto

Em 2007, a interrupção voluntária da gravidez (IVG) foi tema de destaque em Portugal, tendo sido aprovada a legalização através de referendo. No mesmo ano, ainda na fase de debate antes do dia do referendo, Assunção Cristas participou no programa “Prós e Contras” (RTP) do lado do "não" à legalização, uma participação que viria a mudar o rumo da sua vida profissional. Passadas quase duas décadas deste este momento, quisemos saber se a opinião de Assunção Cristas face à IVG se mantém ou não: “Na verdade, a minha opinião continua a ser muito estruturada naquilo que é o respeito pela pessoa e pela vida. E pelo facto de achar que as pessoas têm o direito e o dever de escolher ter ou não ter filhos, em que momento da sua vida querem tê-los; creio que deve ser um projeto de amor, de generosidade e de escolha responsável e, por isso, devem orientar a sua vida procurando ter os comportamentos que são os associados a essas escolhas. Acho que o aborto é uma má solução, porque não respeita a vida nascente, não respeita, muitas vezes, a mulher. São escolhas muito difíceis que criam marcas muito profundas e, portanto, eu continuo a achar que nós, enquanto sociedade, temos que apostar tudo de outro lado e este respeito pela vida humana tem de estar acima. Aqui a minha posição é muito estável no que diz respeito à origem, ao nascimento e também no que diz respeito à morte, à eutanásia, porque tem que ver com uma dimensão muito profunda da maneira como nós nos vemos, nos relacionamos e nos respeitamos como sociedade”, justifica.

Questionada sobre em que momento entra a liberdade de escolha da mulher sobre a sua própria vida, a entrevistada defende: “Entra antes da gravidez. Entra quando decide conduzir a sua vida de maneira a evitar uma gravidez ou não. Esse é o momento em que tem liberdade total. A partir daí (do momento em que já está grávida), eu acho que não pode ser simplesmente ignorado que nós temos ali outra entidade, outra vida que tem de ser protegida e que passa a ser a vida mais frágil. Não é a mulher que é mais frágil, no meu entender, naquele momento, mas sim a criança. (…) Com todo o respeito que tenho pelas mulheres e tudo o que defendo em relação às mulheres na sua participação ativa na sociedade, na sua liberdade para decidirem a sua vida, as mulheres têm de decidir e usar todas as suas capacidades quando têm esse espaço enorme de liberdade que acontece antes da gravidez”, defende.

Ser Líder do CDS

Foi o debate sobre o aborto no programa “Prós e Contras” (RTP) que abriu as portas a Assunção Cristas para uma vida na política. Paulo Portas, espetador deste debate, gostou do desempenho de Assunção e convidou-a para se juntar ao CDS. A convidada, que acabou por aceitar a proposta, conta-nos como foi este momento e afirma nunca antes ter tido o objetivo de entrar na política: “Em primeiro lugar, devo dizer que esse programa foi transformador para a minha carreira. Acho que se não tivesse acontecido eu nunca teria estado na política. Desviou o meu caminho que seria um caminho académico e de Direito. Eu não tinha planos para entrar na política nem para uma dita ‘carreira’. (…) A minha entrada na política foi assim, fui desafiada (por Paulo Portas). Por ser católica, eu achei que tinha o dever de, pelo menos, experimentar se posso dar alguma coisa, porque (a política) é um serviço às pessoas. Depois experimentei e na verdade gostei. Correu bem e, partir daí, foram sucedendo desafios e propostas”, revela.

Assunção Cristas partilha, ainda, como foi tornar-se líder do CDS e algumas das ações que tomou durante o tempo em que ocupou essa posição: “Quando entrei para a política não queria ser o que quer que fosse. Queria ajudar no que fosse necessário. Quando estive no governo, desafiada e convidada pelo Paulo Portas, gostei muitíssimo. Na altura em que saímos do governo, havia um tema de liderança no CDS porque o Paulo Portas tinha saído e aquilo que eu fiz foi achar que tinha condições para tal, mas de forma nenhuma queria causar uma questão interna, portanto, conversei com toda a gente que poderia ter também interesse e acabei por estar quatro anos nesta liderança. Orgulho-me muito de pertencer e de ter ajudado, na minha medida, a contribuir para este trabalho no CDS, mas foi sempre numa lógica de não pensar no que eu ia fazer a seguir. Em termos práticos, eu tentei ter pessoas muito diversas que refletiam a diversidade do próprio CDS a quem reconhecia competências, sensibilidades e visões diferentes com quem me aconselhava e refletia muito em conjunto”.

As Touradas

Finalmente, quando questionada sobre a sua opinião acerca da tauromaquia numa era em que a sociedade está cada vez mais consciente para os direitos dos animais, Assunção Cristas declara: “Eu acho que continua a fazer sentido. Acho que continuamos a ter de nos respeitar naquilo que são as escolhas e as opções e há todo um país e mundo rural para quem faz muito sentido, faz parte da cultura e das tradições. (O discurso anti-tourada) é feito por quem não conhece, muitas vezes, o terreno, quem não tem a sensibilidade, quem não conhece o mundo rural, para quem isto é tudo muito estranho. Eu não vejo como é que as touradas podem incomodar tanto as pessoas que nem sequer vão às touradas, quando há tanta gente que gosta e que vive. A diversidade é das maiores riquezas que temos da vivência em comum. Creio que o discurso dos animais serve para muitas coisas. Estamos, neste momento, a enfrentar uma perda brutal de biodiversidade decorrente de alterações climáticas. Acho que essas preocupações todas de proteção dos animais e da biodiversidade devem ser canalizadas para essas áreas. O resto, acho que não deve ser o foco principal”, argumenta.  

Numa conversa que aborda temas que têm sido motivo de atenção nos últimos anos, Assunção Cristas conta-nos como foi ser mulher na política, os anos enquanto líder do CDS, ser mãe de quatro filhos e ter uma vida profissional ativa, a sua perspetiva acerca do aborto, das touradas e do uso de referências religiosas por parte de figuras políticas num Estado Laico como Portugal.

"Dona da Casa" - São artistas, deputadas, atletas, empresárias e líderes. Têm destaque público, são donas da sua vida e provam que se pode ter vários papéis. Catarina Marques Rodrigues guia conversas sem filtros com mulheres, mas não só. Disponível em antena3.rtp.pt, RTP Play, Spotify, Apple Podcasts e YouTube da Antena 3.