Imigrantes, mulheres com deficiência, não-binárias - estão todos na moda?
Sempre fui uma apaixonada por moda. Queiramos ou não, a forma como nos vestimos tem um peso social, transmite uma imagem, pode facilitar ou dificultar oportunidades, estimula ou prejudica a nossa confiança. A forma como as tendências nos são apresentadas, os corpos mostrados nos desfiles, os modelos de perfeição distribuídos nos media – tudo isto tem impacto em cada pessoa e no todo enquanto sociedade, que celebra ou exclui com base (também) nesses critérios.
Nunca engoli a análise simplista de que a moda é "algo fútil" ou "puramente comercial". A escolha de guarda-roupa, de certos acessórios ou de certos símbolos nas peças está desde sempre ligada também à política, às convicções que temos, a momentos específicos ou aos padrões que queremos intencionalmente quebrar. Lembra-me a entrevista que fiz à jornalista e socióloga brasileira Lia Rizzo, colaboradora da Vogue, em que a especialista citava inúmeros exemplos disto mesmo: um deles, sobre como se depreendeu durante as eleições no Brasil que quem usava vermelho apoiava Lula da Silva.
A verdade é que a moda vai acompanhando as mudanças sociais, e vai também forçando a que elas aconteçam. Isso mesmo ficou claro na exposição que vi em Londres, e que vos mostro agora aqui. Intitula-se "REBEL: 30 Years of London Fashion" e celebra os 30 anos do programa NEWGEN, uma iniciativa que apoia os novos talentos na área da moda.
Nesta exposição estão presentes quase 100 looks, alguns dos quais se tornaram icónicos por serem disruptivos, e por terem sido usados por nomes reconhecidos publicamente. Destaque para dois deles: o vestido de cisne, usado pela artista Björk nos Óscares de março de 2001, e o conjunto em latex escolhido pelo cantor Sam Smith para vestir nos BRIT Awards deste ano, da autoria do criador indiano HARRI – uma escolha que se tornou viral.
"O Sam estava a receber muitos comentários de ódio e muita negatividade em relação à sua imagem corporal e ao género, em especial no Reino Unido, e isto era algo que queríamos explorar (..). A mensagem era para irmos 'ao máximo', sem limites, celebrando e explorando possibilidades com as proporções do corpo", justificou HARRI.
Os desafios à elasticidade dos modelos propagados pela moda tem sido capa de revista desde há largos anos. Na exposição, vemos a capa da Dazed & Confused de Setembro de 1998, com a atleta paralímpica Aimee Mullins, onde se questiona se a moda está preparada para acolher corpos diferentes entre si. No lado direito, vemos o "Wetlook pregnancy dress" da criadora Dimitra Petsa, fundadora da marca Di Petsa.
"Eu desconstruo os sentimentos de vergonha que rodeiam o corpo feminino", diz Dimitra Petsa
A diversidade na moda é trazida sobretudo pelos criadores da nova geração, que não se revêem em amarras ou em códigos bafientos. Querem experimentar, desafiar, surpreender, querem chegar a todas as pessoas – e o mundo recebe cada vez mais essa diversidade nos seus espaços sociais.
À esquerda, temos um trabalho de Alim Latif, que revela que sempre quis criar calçado "sem os contrangimentos da binaridade". À direita, vemos algumas das peças de Sinéad O'Dwyer, uma acérrima defensora e praticante de mais inclusão na moda: "Eu costuro para corpos tão diferentes - para ver essa beleza, para que as pessoas estejam confortáveis na moda de luxo", refere.
A moda sempre foi e sempre será um instrumento de unidade ou de exclusão, uma via de tomada de posição de pessoas, comunidades, partidos, religiões, empresas e outras organizações da sociedade. A análise à moda é também um retrato da forma como os países e as sociedades vão avançando ou regredindo – veremos o que as galerias de arte e os museus vão contar daqui a 50 anos.